Sintam-se livres para se inspirarem pela imagem. Escrevam no comentário da imagem desde uma linha até um conto, tudo vale. Sem justificativas, sem pressão, sem estresse. Apenas uma brincadeira para estimular a imaginação e a criatividade. E se tiver alguma sugestão, alguma imagem instigante, mande para comimagenscomverso@gmail.com
...... omente parece mais alto, e realmente é outra esfera — não que estejamos mais perto da Fonte, mas talvez indique que estamos mais próximos de nós mesmos. É arriscado olhar muito tempo lá para baixo, onde a frequência marrom é comum, e ver os sabinos se amontoando sobre pedaços de pão e laranjas — porém alimento não lhes falta, o que nos leva a crer que fazem isso para despertar nossa piedade para quando lhes vier o julgamento do castrus. Agarrados às suas pequenas cidadezas, os sabinos se regozijam quando um de nós cai daqui de cima, e tratam logo de tirar toda a camada alabastrina que nos recobre para que apontem, torpes, as semelhanças entre nós, apesar de lhes dizermos incansavelmente sobre nossa fraternidade original. Eles dançam no ritmo do desespero e se beijam com os lábios vermelhos. Desde cedo nos disciplinamos para não nos sentirmos irresistivelmente atraídos pela frequência deles, mas hoje achei que eles não eram tão vis, e percebi que seus olhos têm estrelas, o brilho único dos frutos da antiga Deméter e das sementes de Prosérpina. "Se caímos, estamos mais perto do Centro", segundo o mestre sabino Aufloro, que hoje está entre nós. Cair para dentro deles e suas vísceras, no meio deles — quem sabe seja aí o lugar exato para a Mensagem. Querer nascer é incontrol......
...avelmente púrpura. Avidamente púrpura e mel contraídos nos cortes que os centrípetos fizeram no limiar das nuvens. Este é o salmo que herdamos dos sabinos através de Aufloro, o Velho. O Moço herdou-lhe o cajado e a voz, mas não as palavras que, desta vez, soam mais aveludadas porque os de cima desapareceram para os sabinos, já que escureceram-lhes a fonte. A fonte de Apolo. E Berque, que copiava estas frases desenhando as letras sem compreendê-las, volta-se para a flor em brasa e a tira para dançar, inocente na escuridão dos cantos e proverb...
E as pessoas olhavam pro interior daqueles buracos enormes. Deviam aumentar as grades de proteção, a senhora que cheirava a velhos buquês lançou no ar a expectativa de pescar uma conversa mínima no meio da manhã. Mas todos se preocupavam com suas próprias surpresas e com suas próprias reações. Se alguém cai... a senhora indignada muito mais por não darem resposta a ela do que com o teor da sua reclamação saiu andando rápido, intimamente estupefata com quantidade de enormes buracos. Até onde a vista alcançava.
Eu não sabia que existia tanto espaço, a moça com o olhar perdido na escuridão daquele fundo. O que tem lá embaixo? Algo inóspito, o rapaz respondeu levianamente, sem realmente saber se há algo. Ele riu do quanto a moça se impressionara por aquela vastidão enegrecida. Juntos sentiam aquele ar estranhamente prazeroso que saía daqueles buracos. Às vezes parece que ouço água lá embaixo, ela disse, talvez uma cachoeira, não sei. O rapaz também sentiu quando uma umidade emergiu juntamente com o ar que saía. Num rompante de romantismo comparou aquela vastidão imensurável com seu amor pela moça. A vida tão inexplicável quanto aqueles enormes buracos, tão enigmáticos quanto como seriam suas vidas juntos dali pra frente, recém casados. A moça não se preocupava com isso, aquela negritude era por demais assoberbante. Pensar em sua vida doméstica face àqueles abismos incontáveis pareceu prosaico.
Não tem fundo não, tio? Se jogar uma pedra ela nunca vai parar de cair? A criança perguntava inquieta, a cabeça cheia de perguntas, um vácuo tão grande quanto aquela estrutura oca e sem esperança de respostas. O que você acha que é? o tio instigou ainda mais. No silêncio do pensamento infantil, o tio podia ouvir os pensamentos se remoendo dentro daquela cabecinha. Bom, pode ser porque o planeta estava pequeno pra tanta gente e resolveram aumentar. Lá embaixo tem a Terra em que as pessoas antigamente moravam. Agora cabe todo mundo, tem até espaço de sobra!
O tio sorriu, admirado. O casal também sorriu. O vento de cima soprou, pontuando a conversa. O tio tirou do bolso do casaco uma maçã e um canivete e lentamente ia cortando pedaços, um para ele, um para criança, outro para ele, outro para a criança...
Absoluta verdade, o que vou contar. Quando eu era criança, em dias de tédio eu me sentava à mesa da cozinha e esperava a formiga. Pretinha, daquelas caseiras. Finalmente ela passava em sua corrida caótica. Então eu colocava o dedo indicador delicadamente sobre ela, que saía devagar, meio zonza, meio cambeta, daquele peso e daquele susto. Então eu a colocava no hospital das formigas, dentro do açucareiro. Cobria ela e tudo, deixando só a cabecinha dela de fora. Eu tinha, sim, uma vista muito boa. E, por um tempo, ficava observando a coitada deitada lá dentro. Eu realmente achava que o açúcar a curaria. Esta imagem do post me remeteu a uma impressão esquisita: se a formiga estivesse me enxergando da sua cama de açúcar seria parecido com um enorme buraco no céu.
Como a imagem me pareceu um vasto acesso à abismos particulares, vai esta do abismo particular de uma personagem chamada Rosalinda:
Os parentes de Rosalinda tiveram de intervir, pois sua casa havia se transformado no maior abismo particular do mundo, inclusive, sendo residencial ao extremo, este eivado abismo tinha início na porta de entrada e se enveredava pelos corredores, vindo numa só furna, desde a cozinha até o quarto do casal. Quando Rosalinda deu pela coisa já estava mais do decidida e, sem arrependimentos, dando entrada na justiça com a papelada do divórcio. Com certeza há mesmo muita lógica numa separação judicial surgida da classe operária: a vida é difícil, os revezes constantes, as alegrias poucas e as aporrinhações excessivas. Na classe “C” as premissas dos que buscam a separação através das ações ordinárias são, em geral, movidas por advogados recém-formados, pois estes causídicos “de confiança” são, na maioria das vezes, apresentados numa rodada de chope pelo primo do amigo do cunhado do chefe do irmão do dono de um desses barzinhos à beira-mar. Foi assim que surgiu o Dr. Claudinho Somália na vida de Rosalinda. Ele era especialmente versado em literaturas transcendentais e tinha também vinte e cinco anos de idade, assim como ela.
Argh, que coleção especialmente empolgante de textos para o começo do projeto! E que falta fazem os acentos diferenciais, estabelecendo que temos sete vogais orais — e não cinco — na nossa língua querida.
Acho que nesses buracos todos caíram o trema, os dígrafos pseudoetimológicos e os hífens, que sempre carregaram consigo o mistério da existência antes mesmo de terem caído...
Por que as pessoas sempre olham pelos buracos? Buraco da fechadura, buraco no muro, greta na parede, avó pela greta. O que existe, afinal, do outro lado do buraco?
Ninguém penetra no mundo de ninguém. Só esbarra. No máximo, uma olhada e o horror estampado nos olhos escuros de escuridão. Daí me lembrei de um velho poema meu. Poema de minha lavra. Poemeu. É assim:
Todo cotovelo tem uma ponta engraçada que não espeta nem nada; só afasta, sem graça, os que se aproximam da gente de repente.
...... omente parece mais alto, e realmente é outra esfera — não que estejamos mais perto da Fonte, mas talvez indique que estamos mais próximos de nós mesmos. É arriscado olhar muito tempo lá para baixo, onde a frequência marrom é comum, e ver os sabinos se amontoando sobre pedaços de pão e laranjas — porém alimento não lhes falta, o que nos leva a crer que fazem isso para despertar nossa piedade para quando lhes vier o julgamento do castrus. Agarrados às suas pequenas cidadezas, os sabinos se regozijam quando um de nós cai daqui de cima, e tratam logo de tirar toda a camada alabastrina que nos recobre para que apontem, torpes, as semelhanças entre nós, apesar de lhes dizermos incansavelmente sobre nossa fraternidade original. Eles dançam no ritmo do desespero e se beijam com os lábios vermelhos. Desde cedo nos disciplinamos para não nos sentirmos irresistivelmente atraídos pela frequência deles, mas hoje achei que eles não eram tão vis, e percebi que seus olhos têm estrelas, o brilho único dos frutos da antiga Deméter e das sementes de Prosérpina. "Se caímos, estamos mais perto do Centro", segundo o mestre sabino Aufloro, que hoje está entre nós. Cair para dentro deles e suas vísceras, no meio deles — quem sabe seja aí o lugar exato para a Mensagem. Querer nascer é incontrol......
...avelmente púrpura. Avidamente púrpura e mel contraídos nos cortes que os centrípetos fizeram no limiar das nuvens. Este é o salmo que herdamos dos sabinos através de Aufloro, o Velho. O Moço herdou-lhe o cajado e a voz, mas não as palavras que, desta vez, soam mais aveludadas porque os de cima desapareceram para os sabinos, já que escureceram-lhes a fonte. A fonte de Apolo. E Berque, que copiava estas frases desenhando as letras sem compreendê-las, volta-se para a flor em brasa e a tira para dançar, inocente na escuridão dos cantos e proverb...
E as pessoas olhavam pro interior daqueles buracos enormes. Deviam aumentar as grades de proteção, a senhora que cheirava a velhos buquês lançou no ar a expectativa de pescar uma conversa mínima no meio da manhã. Mas todos se preocupavam com suas próprias surpresas e com suas próprias reações. Se alguém cai... a senhora indignada muito mais por não darem resposta a ela do que com o teor da sua reclamação saiu andando rápido, intimamente estupefata com quantidade de enormes buracos. Até onde a vista alcançava.
Eu não sabia que existia tanto espaço, a moça com o olhar perdido na escuridão daquele fundo. O que tem lá embaixo? Algo inóspito, o rapaz respondeu levianamente, sem realmente saber se há algo. Ele riu do quanto a moça se impressionara por aquela vastidão enegrecida. Juntos sentiam aquele ar estranhamente prazeroso que saía daqueles buracos. Às vezes parece que ouço água lá embaixo, ela disse, talvez uma cachoeira, não sei. O rapaz também sentiu quando uma umidade emergiu juntamente com o ar que saía. Num rompante de romantismo comparou aquela vastidão imensurável com seu amor pela moça. A vida tão inexplicável quanto aqueles enormes buracos, tão enigmáticos quanto como seriam suas vidas juntos dali pra frente, recém casados. A moça não se preocupava com isso, aquela negritude era por demais assoberbante. Pensar em sua vida doméstica face àqueles abismos incontáveis pareceu prosaico.
Não tem fundo não, tio? Se jogar uma pedra ela nunca vai parar de cair? A criança perguntava inquieta, a cabeça cheia de perguntas, um vácuo tão grande quanto aquela estrutura oca e sem esperança de respostas. O que você acha que é? o tio instigou ainda mais. No silêncio do pensamento infantil, o tio podia ouvir os pensamentos se remoendo dentro daquela cabecinha. Bom, pode ser porque o planeta estava pequeno pra tanta gente e resolveram aumentar. Lá embaixo tem a Terra em que as pessoas antigamente moravam. Agora cabe todo mundo, tem até espaço de sobra!
O tio sorriu, admirado. O casal também sorriu. O vento de cima soprou, pontuando a conversa. O tio tirou do bolso do casaco uma maçã e um canivete e lentamente ia cortando pedaços, um para ele, um para criança, outro para ele, outro para a criança...
Absoluta verdade, o que vou contar. Quando eu era criança, em dias de tédio eu me sentava à mesa da cozinha e esperava a formiga. Pretinha, daquelas caseiras. Finalmente ela passava em sua corrida caótica. Então eu colocava o dedo indicador delicadamente sobre ela, que saía devagar, meio zonza, meio cambeta, daquele peso e daquele susto. Então eu a colocava no hospital das formigas, dentro do açucareiro. Cobria ela e tudo, deixando só a cabecinha dela de fora. Eu tinha, sim, uma vista muito boa. E, por um tempo, ficava observando a coitada deitada lá dentro. Eu realmente achava que o açúcar a curaria. Esta imagem do post me remeteu a uma impressão esquisita: se a formiga estivesse me enxergando da sua cama de açúcar seria parecido com um enorme buraco no céu.
Absoluta verdade, o que vou contar. Quando eu era criança, em dias de tédio eu me sentava à mesa da cozinha e esperava a formiga. Pretinha, daquelas caseiras. Finalmente ela passava em sua corrida caótica. Então eu colocava o dedo indicador delicadamente sobre ela, que saía devagar, meio zonza, meio cambeta, daquele peso e daquele susto. Então eu a colocava no hospital das formigas, dentro do açucareiro. Cobria ela e tudo, deixando só a cabecinha dela de fora. Eu tinha, sim, uma vista muito boa. E, por um tempo, ficava observando a coitada deitada lá dentro. Eu realmente achava que o açúcar a curaria. Esta imagem do post me remeteu a uma impressão esquisita: se a formiga estivesse me enxergando da sua cama de açúcar seria parecido com um enorme buraco no céu.
Como a imagem me pareceu um vasto acesso à abismos particulares, vai esta do abismo particular de uma personagem chamada Rosalinda:
Os parentes de Rosalinda tiveram de intervir, pois sua casa havia se transformado no maior abismo particular do mundo, inclusive, sendo residencial ao extremo, este eivado abismo tinha início na porta de entrada e se enveredava pelos corredores, vindo numa só furna, desde a cozinha até o quarto do casal. Quando Rosalinda deu pela coisa já estava mais do decidida e, sem arrependimentos, dando entrada na justiça com a papelada do divórcio. Com certeza há mesmo muita lógica numa separação judicial surgida da classe operária: a vida é difícil, os revezes constantes, as alegrias poucas e as aporrinhações excessivas. Na classe “C” as premissas dos que buscam a separação através das ações ordinárias são, em geral, movidas por advogados recém-formados, pois estes causídicos “de confiança” são, na maioria das vezes, apresentados numa rodada de chope pelo primo do amigo do cunhado do chefe do irmão do dono de um desses barzinhos à beira-mar. Foi assim que surgiu o Dr. Claudinho Somália na vida de Rosalinda. Ele era especialmente versado em literaturas transcendentais e tinha também vinte e cinco anos de idade, assim como ela.
Argh, que coleção especialmente empolgante de textos para o começo do projeto! E que falta fazem os acentos diferenciais, estabelecendo que temos sete vogais orais — e não cinco — na nossa língua querida.
Acho que nesses buracos todos caíram o trema, os dígrafos pseudoetimológicos e os hífens, que sempre carregaram consigo o mistério da existência antes mesmo de terem caído...
Por que as pessoas sempre olham pelos buracos? Buraco da fechadura, buraco no muro, greta na parede, avó pela greta. O que existe, afinal, do outro lado do buraco?
Ninguém penetra no mundo de ninguém. Só esbarra. No máximo, uma olhada e o horror estampado nos olhos escuros de escuridão. Daí me lembrei de um velho poema meu. Poema de minha lavra. Poemeu. É assim:
Todo cotovelo tem uma ponta engraçada que não espeta nem nada; só afasta, sem graça, os que se aproximam da gente de repente.
...... omente parece mais alto, e realmente é outra esfera — não que estejamos mais perto da Fonte, mas talvez indique que estamos mais próximos de nós mesmos. É arriscado olhar muito tempo lá para baixo, onde a frequência marrom é comum, e ver os sabinos se amontoando sobre pedaços de pão e laranjas — porém alimento não lhes falta, o que nos leva a crer que fazem isso para despertar nossa piedade para quando lhes vier o julgamento do castrus. Agarrados às suas pequenas cidadezas, os sabinos se regozijam quando um de nós cai daqui de cima, e tratam logo de tirar toda a camada alabastrina que nos recobre para que apontem, torpes, as semelhanças entre nós, apesar de lhes dizermos incansavelmente sobre nossa fraternidade original. Eles dançam no ritmo do desespero e se beijam com os lábios vermelhos. Desde cedo nos disciplinamos para não nos sentirmos irresistivelmente atraídos pela frequência deles, mas hoje achei que eles não eram tão vis, e percebi que seus olhos têm estrelas, o brilho único dos frutos da antiga Deméter e das sementes de Prosérpina. "Se caímos, estamos mais perto do Centro", segundo o mestre sabino Aufloro, que hoje está entre nós. Cair para dentro deles e suas vísceras, no meio deles — quem sabe seja aí o lugar exato para a Mensagem. Querer nascer é incontrol......
ResponderExcluir...avelmente púrpura.
ResponderExcluirAvidamente púrpura e mel contraídos nos cortes que os centrípetos fizeram no limiar das nuvens. Este é o salmo que herdamos dos sabinos através de Aufloro, o Velho. O Moço herdou-lhe o cajado e a voz, mas não as palavras que, desta vez, soam mais aveludadas porque os de cima desapareceram para os sabinos, já que escureceram-lhes a fonte. A fonte de Apolo. E Berque, que copiava estas frases desenhando as letras sem compreendê-las, volta-se para a flor em brasa e a tira para dançar, inocente na escuridão dos cantos e proverb...
E as pessoas olhavam pro interior daqueles buracos enormes. Deviam aumentar as grades de proteção, a senhora que cheirava a velhos buquês lançou no ar a expectativa de pescar uma conversa mínima no meio da manhã. Mas todos se preocupavam com suas próprias surpresas e com suas próprias reações. Se alguém cai... a senhora indignada muito mais por não darem resposta a ela do que com o teor da sua reclamação saiu andando rápido, intimamente estupefata com quantidade de enormes buracos. Até onde a vista alcançava.
ResponderExcluirEu não sabia que existia tanto espaço, a moça com o olhar perdido na escuridão daquele fundo. O que tem lá embaixo? Algo inóspito, o rapaz respondeu levianamente, sem realmente saber se há algo. Ele riu do quanto a moça se impressionara por aquela vastidão enegrecida. Juntos sentiam aquele ar estranhamente prazeroso que saía daqueles buracos. Às vezes parece que ouço água lá embaixo, ela disse, talvez uma cachoeira, não sei. O rapaz também sentiu quando uma umidade emergiu juntamente com o ar que saía. Num rompante de romantismo comparou aquela vastidão imensurável com seu amor pela moça. A vida tão inexplicável quanto aqueles enormes buracos, tão enigmáticos quanto como seriam suas vidas juntos dali pra frente, recém casados. A moça não se preocupava com isso, aquela negritude era por demais assoberbante. Pensar em sua vida doméstica face àqueles abismos incontáveis pareceu prosaico.
Não tem fundo não, tio? Se jogar uma pedra ela nunca vai parar de cair? A criança perguntava inquieta, a cabeça cheia de perguntas, um vácuo tão grande quanto aquela estrutura oca e sem esperança de respostas. O que você acha que é? o tio instigou ainda mais. No silêncio do pensamento infantil, o tio podia ouvir os pensamentos se remoendo dentro daquela cabecinha. Bom, pode ser porque o planeta estava pequeno pra tanta gente e resolveram aumentar. Lá embaixo tem a Terra em que as pessoas antigamente moravam. Agora cabe todo mundo, tem até espaço de sobra!
O tio sorriu, admirado. O casal também sorriu. O vento de cima soprou, pontuando a conversa. O tio tirou do bolso do casaco uma maçã e um canivete e lentamente ia cortando pedaços, um para ele, um para criança, outro para ele, outro para a criança...
Absoluta verdade, o que vou contar.
ResponderExcluirQuando eu era criança, em dias de tédio eu me sentava à mesa da cozinha e esperava a formiga. Pretinha, daquelas caseiras. Finalmente ela passava em sua corrida caótica. Então eu colocava o dedo indicador delicadamente sobre ela, que saía devagar, meio zonza, meio cambeta, daquele peso e daquele susto. Então eu a colocava no hospital das formigas, dentro do açucareiro. Cobria ela e tudo, deixando só a cabecinha dela de fora. Eu tinha, sim, uma vista muito boa. E, por um tempo, ficava observando a coitada deitada lá dentro. Eu realmente achava que o açúcar a curaria.
Esta imagem do post me remeteu a uma impressão esquisita: se a formiga estivesse me enxergando da sua cama de açúcar seria parecido com um enorme buraco no céu.
Como a imagem me pareceu um vasto acesso à abismos particulares, vai esta do abismo particular de uma personagem chamada Rosalinda:
ResponderExcluirOs parentes de Rosalinda tiveram de intervir, pois sua casa havia se transformado no maior abismo particular do mundo, inclusive, sendo residencial ao extremo, este eivado abismo tinha início na porta de entrada e se enveredava pelos corredores, vindo numa só furna, desde a cozinha até o quarto do casal. Quando Rosalinda deu pela coisa já estava mais do decidida e, sem arrependimentos, dando entrada na justiça com a papelada do divórcio. Com certeza há mesmo muita lógica numa separação judicial surgida da classe operária: a vida é difícil, os revezes constantes, as alegrias poucas e as aporrinhações excessivas. Na classe “C” as premissas dos que buscam a separação através das ações ordinárias são, em geral, movidas por advogados recém-formados, pois estes causídicos “de confiança” são, na maioria das vezes, apresentados numa rodada de chope pelo primo do amigo do cunhado do chefe do irmão do dono de um desses barzinhos à beira-mar. Foi assim que surgiu o Dr. Claudinho Somália na vida de Rosalinda. Ele era especialmente versado em literaturas transcendentais e tinha também vinte e cinco anos de idade, assim como ela.
Argh, que coleção especialmente empolgante de textos para o começo do projeto! E que falta fazem os acentos diferenciais, estabelecendo que temos sete vogais orais — e não cinco — na nossa língua querida.
ResponderExcluirAcho que nesses buracos todos caíram o trema, os dígrafos pseudoetimológicos e os hífens, que sempre carregaram consigo o mistério da existência antes mesmo de terem caído...
Por que as pessoas sempre olham pelos buracos? Buraco da fechadura, buraco no muro, greta na parede, avó pela greta. O que existe, afinal, do outro lado do buraco?
ResponderExcluirAlguém saberia dizer de quem é essa imagem? Gostaria de colocar os devidos créditos.
ResponderExcluirNinguém penetra no mundo de ninguém. Só esbarra. No máximo, uma olhada e o horror estampado nos olhos escuros de escuridão. Daí me lembrei de um velho poema meu. Poema de minha lavra. Poemeu.
ResponderExcluirÉ assim:
Todo cotovelo tem uma ponta engraçada
que não espeta nem nada;
só afasta, sem graça,
os que se aproximam da gente
de repente.
...... omente parece mais alto, e realmente é outra esfera — não que estejamos mais perto da Fonte, mas talvez indique que estamos mais próximos de nós mesmos. É arriscado olhar muito tempo lá para baixo, onde a frequência marrom é comum, e ver os sabinos se amontoando sobre pedaços de pão e laranjas — porém alimento não lhes falta, o que nos leva a crer que fazem isso para despertar nossa piedade para quando lhes vier o julgamento do castrus. Agarrados às suas pequenas cidadezas, os sabinos se regozijam quando um de nós cai daqui de cima, e tratam logo de tirar toda a camada alabastrina que nos recobre para que apontem, torpes, as semelhanças entre nós, apesar de lhes dizermos incansavelmente sobre nossa fraternidade original. Eles dançam no ritmo do desespero e se beijam com os lábios vermelhos. Desde cedo nos disciplinamos para não nos sentirmos irresistivelmente atraídos pela frequência deles, mas hoje achei que eles não eram tão vis, e percebi que seus olhos têm estrelas, o brilho único dos frutos da antiga Deméter e das sementes de Prosérpina. "Se caímos, estamos mais perto do Centro", segundo o mestre sabino Aufloro, que hoje está entre nós. Cair para dentro deles e suas vísceras, no meio deles — quem sabe seja aí o lugar exato para a Mensagem. Querer nascer é incontrol......
ResponderExcluir...avelmente púrpura.
ResponderExcluirAvidamente púrpura e mel contraídos nos cortes que os centrípetos fizeram no limiar das nuvens. Este é o salmo que herdamos dos sabinos através de Aufloro, o Velho. O Moço herdou-lhe o cajado e a voz, mas não as palavras que, desta vez, soam mais aveludadas porque os de cima desapareceram para os sabinos, já que escureceram-lhes a fonte. A fonte de Apolo. E Berque, que copiava estas frases desenhando as letras sem compreendê-las, volta-se para a flor em brasa e a tira para dançar, inocente na escuridão dos cantos e proverb...
E as pessoas olhavam pro interior daqueles buracos enormes. Deviam aumentar as grades de proteção, a senhora que cheirava a velhos buquês lançou no ar a expectativa de pescar uma conversa mínima no meio da manhã. Mas todos se preocupavam com suas próprias surpresas e com suas próprias reações. Se alguém cai... a senhora indignada muito mais por não darem resposta a ela do que com o teor da sua reclamação saiu andando rápido, intimamente estupefata com quantidade de enormes buracos. Até onde a vista alcançava.
ResponderExcluirEu não sabia que existia tanto espaço, a moça com o olhar perdido na escuridão daquele fundo. O que tem lá embaixo? Algo inóspito, o rapaz respondeu levianamente, sem realmente saber se há algo. Ele riu do quanto a moça se impressionara por aquela vastidão enegrecida. Juntos sentiam aquele ar estranhamente prazeroso que saía daqueles buracos. Às vezes parece que ouço água lá embaixo, ela disse, talvez uma cachoeira, não sei. O rapaz também sentiu quando uma umidade emergiu juntamente com o ar que saía. Num rompante de romantismo comparou aquela vastidão imensurável com seu amor pela moça. A vida tão inexplicável quanto aqueles enormes buracos, tão enigmáticos quanto como seriam suas vidas juntos dali pra frente, recém casados. A moça não se preocupava com isso, aquela negritude era por demais assoberbante. Pensar em sua vida doméstica face àqueles abismos incontáveis pareceu prosaico.
Não tem fundo não, tio? Se jogar uma pedra ela nunca vai parar de cair? A criança perguntava inquieta, a cabeça cheia de perguntas, um vácuo tão grande quanto aquela estrutura oca e sem esperança de respostas. O que você acha que é? o tio instigou ainda mais. No silêncio do pensamento infantil, o tio podia ouvir os pensamentos se remoendo dentro daquela cabecinha. Bom, pode ser porque o planeta estava pequeno pra tanta gente e resolveram aumentar. Lá embaixo tem a Terra em que as pessoas antigamente moravam. Agora cabe todo mundo, tem até espaço de sobra!
O tio sorriu, admirado. O casal também sorriu. O vento de cima soprou, pontuando a conversa. O tio tirou do bolso do casaco uma maçã e um canivete e lentamente ia cortando pedaços, um para ele, um para criança, outro para ele, outro para a criança...
Absoluta verdade, o que vou contar.
ResponderExcluirQuando eu era criança, em dias de tédio eu me sentava à mesa da cozinha e esperava a formiga. Pretinha, daquelas caseiras. Finalmente ela passava em sua corrida caótica. Então eu colocava o dedo indicador delicadamente sobre ela, que saía devagar, meio zonza, meio cambeta, daquele peso e daquele susto. Então eu a colocava no hospital das formigas, dentro do açucareiro. Cobria ela e tudo, deixando só a cabecinha dela de fora. Eu tinha, sim, uma vista muito boa. E, por um tempo, ficava observando a coitada deitada lá dentro. Eu realmente achava que o açúcar a curaria.
Esta imagem do post me remeteu a uma impressão esquisita: se a formiga estivesse me enxergando da sua cama de açúcar seria parecido com um enorme buraco no céu.
Absoluta verdade, o que vou contar.
ResponderExcluirQuando eu era criança, em dias de tédio eu me sentava à mesa da cozinha e esperava a formiga. Pretinha, daquelas caseiras. Finalmente ela passava em sua corrida caótica. Então eu colocava o dedo indicador delicadamente sobre ela, que saía devagar, meio zonza, meio cambeta, daquele peso e daquele susto. Então eu a colocava no hospital das formigas, dentro do açucareiro. Cobria ela e tudo, deixando só a cabecinha dela de fora. Eu tinha, sim, uma vista muito boa. E, por um tempo, ficava observando a coitada deitada lá dentro. Eu realmente achava que o açúcar a curaria.
Esta imagem do post me remeteu a uma impressão esquisita: se a formiga estivesse me enxergando da sua cama de açúcar seria parecido com um enorme buraco no céu.
Como a imagem me pareceu um vasto acesso à abismos particulares, vai esta do abismo particular de uma personagem chamada Rosalinda:
ResponderExcluirOs parentes de Rosalinda tiveram de intervir, pois sua casa havia se transformado no maior abismo particular do mundo, inclusive, sendo residencial ao extremo, este eivado abismo tinha início na porta de entrada e se enveredava pelos corredores, vindo numa só furna, desde a cozinha até o quarto do casal. Quando Rosalinda deu pela coisa já estava mais do decidida e, sem arrependimentos, dando entrada na justiça com a papelada do divórcio. Com certeza há mesmo muita lógica numa separação judicial surgida da classe operária: a vida é difícil, os revezes constantes, as alegrias poucas e as aporrinhações excessivas. Na classe “C” as premissas dos que buscam a separação através das ações ordinárias são, em geral, movidas por advogados recém-formados, pois estes causídicos “de confiança” são, na maioria das vezes, apresentados numa rodada de chope pelo primo do amigo do cunhado do chefe do irmão do dono de um desses barzinhos à beira-mar. Foi assim que surgiu o Dr. Claudinho Somália na vida de Rosalinda. Ele era especialmente versado em literaturas transcendentais e tinha também vinte e cinco anos de idade, assim como ela.
Argh, que coleção especialmente empolgante de textos para o começo do projeto! E que falta fazem os acentos diferenciais, estabelecendo que temos sete vogais orais — e não cinco — na nossa língua querida.
ResponderExcluirAcho que nesses buracos todos caíram o trema, os dígrafos pseudoetimológicos e os hífens, que sempre carregaram consigo o mistério da existência antes mesmo de terem caído...
Por que as pessoas sempre olham pelos buracos? Buraco da fechadura, buraco no muro, greta na parede, avó pela greta. O que existe, afinal, do outro lado do buraco?
ResponderExcluirNinguém penetra no mundo de ninguém. Só esbarra. No máximo, uma olhada e o horror estampado nos olhos escuros de escuridão. Daí me lembrei de um velho poema meu. Poema de minha lavra. Poemeu.
ResponderExcluirÉ assim:
Todo cotovelo tem uma ponta engraçada
que não espeta nem nada;
só afasta, sem graça,
os que se aproximam da gente
de repente.